VADIOS E CIGANOS, HERÉTICOS E BRUXAS – Os degredados no Brasil-Colônia – RESENHA
O livro está
estruturado em pequenos capítulos de três páginas, em média, divididos por
temas ou casos semelhantes de degredo. São vinte e um capítulos que tratam do
degredo dede seu início.
O livro inicia-se com
“Os primeiros degredados”, em que o autor explica que os dois primeiros degredados
a serem deixados na Terra de Santa Cruz vieram com Pedro Álvares Cabral e que
tinham como “objetivo” aprender o tupi e se relacionarem com os índios. O autor
salienta a infelicidade dos degredados ao verem os navios partindo. Um deles
voltou para Portugal e transmitiu sua experiência à D. Manuel. O autor finaliza
o primeiro capítulo explicando que o degredo, além de salvar a vida dos
apenados, ainda lhes possibilitava a prestação de serviços à Coroa, quando de
seu retorno, ao servirem como informantes dos costumes indígenas e tradutores.
Muitas vezes, há
dúvidas se alguns personagens eram degredados ou náufragos, citando casos como
o de João Ramalho, que deixou uma grande descendência. Outra questão
interessante é o tipo de comportamento adotado pelos que habitavam a colônia:
alguns assimilavam os costumes indígenas, chegando “furar lábios e orelhas”,
quando outros “lutavam contra os índios”, impondo os costumes europeus.
Os degredados
condenados aos crimes de heresia, traição, sodomia ou falsa moeda não podem
ser, no Brasil, presos ou executados. Além disso, em 1536, o rei João III
determinou que todos os vadios fossem enviados ao Brasil, apenas, e todos os
que haviam sido condenados ao degredo com destino a São Thomé, a partir desse
momento, deveriam ser enviados ao Brasil. O mesmo foi determinado com os
condenados ao degredo na Ilha do Príncipe.
Esse grande volume de
degredados gera descontentamento na colônia, em razão disso o título do
capítulo. Muitos degredados envolviam-se no tráfico de pau-brasil, associados
aos franceses. Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco, chegou a
escrever ao rei pedindo que parasse de enviar tantos degredados, alegando que
eram piores do que a peste. Alguns navios chegavam a ter mais condenados do que
membros da tripulação, tal era o volume de enviados à colônia.
Todos os crimes, mesmo
os mais leves, passaram a ser apenados com o degredo. Alguns degredados não
eram de origem humilde, embora a maioria o fosse e, além disso, alguns
conseguiram boa posição e condições financeiras na colônia.
A situação dos
degredados era determinada pelo governador-geral quanto às em que deveriam
permanecer. Em 1567, os cristãos novos que tentassem sair de Portugal por mar e
fossem descobertos eram também punidos com o degredo. Em 1577 foi ordenado,
também, que todos os criminosos fossem enviados ao Brasil, ainda que fossem
condenados à pena de morte. Só havia quatro exceções: heresia, traição, sodomia
e falsa moeda, crimes que, por sua gravidade contra Deus e contra o Rei, eram
considerados imperdoáveis. Posteriormente, no entanto, mesmo esses criminosos
passaram a ser banidos com o degredo. Era visível o aumento de situações em que
a pena de degredo passava a ser gradualmente adotada.
O degredo era utilizado
por Portugal para povoar as terras brasileiras. Isso, no entanto, gerava alguns
problemas. Os degredados, por sua condição, não podiam ocupar certos cargos
administrativos e a população de portugueses não degradados era insuficiente. A
própria defesa da colônia estava em risco, pois não havia como combater as
invasões. A solução encontrada foi o perdão judicial, que já era comum em
Portugal através do instituto da comutação em que o sentenciado pagava uma
“multa” ao invés de cumprir a pena, principalmente em casos de saúde frágil ou
de mulheres que poderiam ser desonradas no navio.
O autor cita casos
curiosos de degredo, como o caso de gramáticos condenados, embora não tenha,
através dos documentos, se verificado exatamente o crime que cometeram. Um
destes gramáticos foi Camões. Além disso, um padre que fabricava remédios
caseiros, preso pela Inquisição e que, após fugir por diversos locais da
Europa, foi condenado ao degredo no Brasil onde voltou às práticas
supersticiosas ganhando, com isso, certo prestígio, mas, por voltar a cometer
os mesmos “crimes”, voltou a ser preso.
Numa das cartas que
escreve a Portugal, Manuel da Nóbrega solicita ao Rei que envie mulheres para
que os homens da colônia possam casar-se, o que mostra uma das dificuldades
ocorridas no processo de colonização. Quanto às mulheres condenadas, a maior
parte das degredadas era de prostitutas, mas havia também mulheres nobres. O
autor cita o caso de Violante de Mesas, acusada de judaísmo e heresia. Era,
também, proprietária de diversos bens e, ao ser condenada ao degredo, deixou
tudo em Portugal, levando apenas o necessário.
Embora aparentemente a
obra deixe claro que Portugal utilizou-se da pena de degredo para “limpar” a
sociedade e, apesar de ser esta a opinião de diversos autores, Pieroni explica
que eram muitos os crimes apenados com degredo, sendo que, muitos deles hoje
sequer seriam considerados crimes. Qualquer desvio do caminho imposto pela
Igreja era considerado delito passível de punição. Assim, o autor ensina que a
influência da Igreja associada ao poder real eram causadores do grande número
de degredados, fazendo cair por terra a tradicional afirmação de que o Brasil
foi povoado apenas por criminosos.
No Livro V das
Ordenações Filipinas encontrava-se o direito penal e a maioria das penas
impostas era severa, como as penas de tortura e de morte. Eram cerca de 90
tipos de crimes. Mais uma vez, observa-se que a nobreza possui certos
privilégios, já que não podem ser desonrados publicamente com a pena de açoite.
Muitos destes condenados acabavam tendo suas penas substituídas pelo degredo.
Após a instituição dos
tribunais do Santo Ofício, houve uma divisão entre os delitos heréticos e os
crimes comuns. O “Desembargo do Paço” era responsável pelo julgamento dos
crimes seculares. Com a superpopulação das prisões portuguesas, uma solução foi
enviar os condenados ao Brasil.
O autor cita histórias
de diversos degredados, exemplificando as variáveis situações que podiam
ocorrer através da análise de casos concretos. Alguns dos condenados por crimes
seculares fugiam das embarcações e procuravam a proteção dos jesuítas que, necessitados
de trabalhadores, acabavam por interceder pelo perdão do Rei. O “Livro dos
Juízos dos degredados” possuía anotações, com os nomes dos condenados, o local
para onde deveriam ir e o tempo de cumprimento de pena. Os crimes são variados,
de vadiagem e adultério à homicídio
No capítulo “Inquisição
e degredo” o autor explica que o degredo constituía um dos castigos preferidos
do Santo Ofício. Embora os juízes seculares e os tribunais religiosos
funcionassem separadamente, ambos convergiam suas atividades para o mesmo
ponto, sendo uma das condenações mais comuns a permanência em outras terras. Os
primeiros degredados do Santo Ofício eram da cidade de Évora, no auto de fé que
ocorreu em 1543. A Inquisição utilizou o banimento como forma de “purificar” a
população portuguesa, mantendo a ordem religiosa e social, e o degredo era
associado à ideia de purgatório. A principal “função” do Santo Ofício em
Portugal era fiscalizar os judeus convertidos para que não voltassem a praticar
a antiga religião.
Um caso interessante,
que mostra o rigor da Santa Inquisição com os judeus, é o de Maria Dias (p.
100), acusada de judaísmo. Condenada à pena capital, conseguiu escapar da morte
denunciando seu irmão e sua tia. Além disso, suas irmãs e sua sobrinha estavam
também sendo processadas pelo Santo Ofício. A família toda foi alvo da
Inquisição.
A partir do século
XVII, os ciganos também passaram a ser degredados para o Brasil. Alguns realmente
cometeram crimes, mas muitos foram vítimas do processo de “purificação” da
sociedade. Também os escravos e alguns forros foram banidos, acusados de heresia,
feitiçaria e bigamia.
Por fim, no último
capítulo, o autor explica porque nunca foi instalado um tribunal de inquisição
no Brasil. Uma das principais razões é o alto custo de manutenção da
instituição. Além disso, o capital dos cristãos-novos contribuía muito para a
economia da colônia e uma perseguição poderia dispersar estes colonos. Por
outro lado, tem-se a elaboração das “Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia”, cuja função era regulamentar o comportamento dos eclesiásticos e leigos
que viviam no Brasil. Seguindo o formato das Ordenações Filipinas, a
Constituição buscava se adequar a realidade brasileira, o que, com tanta
diversidade, não se mostraria uma tarefa fácil.
1. BIOGRAFIA DO
AUTOR
Geraldo Pieroni possui Graduação
em Historia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestrado em
História pela Universidade Federal da Bahia e mestrado e doutorado pela Université
Paris-Sorbonn. Pieroni pertence à escola Micro-História ou História das
Mentalidades, tendo delimitado como temas de pesquisa a Inquisição no Brasil e
em Portugal, especialmente o degredo, e as consequências para a colonização. Uma
da orientadoras de Pieroni, Marli Geralda Teixeira, fez um seu trabalho de
doutorado sobre a História das Mentalidades dos batistas.
O autor é especialista
na história das inquisições, estudando as relações de poder e as instituições
relacionadas à Igreja e Estado. Um de seus objetivos é a compreensão da
formação da cultura brasileira através da análise de fatores como a
religiosidade e a interação entre a Igreja e a sociedade.
obs: Trabalho realizado pela aluna Lilian de Souza Pereira (proprietária deste Blog) para o curso de História da Universidade Federal de São Paulo.