sábado, 26 de outubro de 2013

Degredados no Brasil Colônia

VADIOS E CIGANOS, HERÉTICOS E BRUXAS – Os degredados no Brasil-Colônia – RESENHA


O livro está estruturado em pequenos capítulos de três páginas, em média, divididos por temas ou casos semelhantes de degredo. São vinte e um capítulos que tratam do degredo dede seu início.
O livro inicia-se com “Os primeiros degredados”, em que o autor explica que os dois primeiros degredados a serem deixados na Terra de Santa Cruz vieram com Pedro Álvares Cabral e que tinham como “objetivo” aprender o tupi e se relacionarem com os índios. O autor salienta a infelicidade dos degredados ao verem os navios partindo. Um deles voltou para Portugal e transmitiu sua experiência à D. Manuel. O autor finaliza o primeiro capítulo explicando que o degredo, além de salvar a vida dos apenados, ainda lhes possibilitava a prestação de serviços à Coroa, quando de seu retorno, ao servirem como informantes dos costumes indígenas e tradutores.
Muitas vezes, há dúvidas se alguns personagens eram degredados ou náufragos, citando casos como o de João Ramalho, que deixou uma grande descendência. Outra questão interessante é o tipo de comportamento adotado pelos que habitavam a colônia: alguns assimilavam os costumes indígenas, chegando “furar lábios e orelhas”, quando outros “lutavam contra os índios”, impondo os costumes europeus.
Os degredados condenados aos crimes de heresia, traição, sodomia ou falsa moeda não podem ser, no Brasil, presos ou executados. Além disso, em 1536, o rei João III determinou que todos os vadios fossem enviados ao Brasil, apenas, e todos os que haviam sido condenados ao degredo com destino a São Thomé, a partir desse momento, deveriam ser enviados ao Brasil. O mesmo foi determinado com os condenados ao degredo na Ilha do Príncipe.
Esse grande volume de degredados gera descontentamento na colônia, em razão disso o título do capítulo. Muitos degredados envolviam-se no tráfico de pau-brasil, associados aos franceses. Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco, chegou a escrever ao rei pedindo que parasse de enviar tantos degredados, alegando que eram piores do que a peste. Alguns navios chegavam a ter mais condenados do que membros da tripulação, tal era o volume de enviados à colônia.
Todos os crimes, mesmo os mais leves, passaram a ser apenados com o degredo. Alguns degredados não eram de origem humilde, embora a maioria o fosse e, além disso, alguns conseguiram boa posição e condições financeiras na colônia.
A situação dos degredados era determinada pelo governador-geral quanto às em que deveriam permanecer. Em 1567, os cristãos novos que tentassem sair de Portugal por mar e fossem descobertos eram também punidos com o degredo. Em 1577 foi ordenado, também, que todos os criminosos fossem enviados ao Brasil, ainda que fossem condenados à pena de morte. Só havia quatro exceções: heresia, traição, sodomia e falsa moeda, crimes que, por sua gravidade contra Deus e contra o Rei, eram considerados imperdoáveis. Posteriormente, no entanto, mesmo esses criminosos passaram a ser banidos com o degredo. Era visível o aumento de situações em que a pena de degredo passava a ser gradualmente adotada.
O degredo era utilizado por Portugal para povoar as terras brasileiras. Isso, no entanto, gerava alguns problemas. Os degredados, por sua condição, não podiam ocupar certos cargos administrativos e a população de portugueses não degradados era insuficiente. A própria defesa da colônia estava em risco, pois não havia como combater as invasões. A solução encontrada foi o perdão judicial, que já era comum em Portugal através do instituto da comutação em que o sentenciado pagava uma “multa” ao invés de cumprir a pena, principalmente em casos de saúde frágil ou de mulheres que poderiam ser desonradas no navio.
O autor cita casos curiosos de degredo, como o caso de gramáticos condenados, embora não tenha, através dos documentos, se verificado exatamente o crime que cometeram. Um destes gramáticos foi Camões. Além disso, um padre que fabricava remédios caseiros, preso pela Inquisição e que, após fugir por diversos locais da Europa, foi condenado ao degredo no Brasil onde voltou às práticas supersticiosas ganhando, com isso, certo prestígio, mas, por voltar a cometer os mesmos “crimes”, voltou a ser preso.
Numa das cartas que escreve a Portugal, Manuel da Nóbrega solicita ao Rei que envie mulheres para que os homens da colônia possam casar-se, o que mostra uma das dificuldades ocorridas no processo de colonização. Quanto às mulheres condenadas, a maior parte das degredadas era de prostitutas, mas havia também mulheres nobres. O autor cita o caso de Violante de Mesas, acusada de judaísmo e heresia. Era, também, proprietária de diversos bens e, ao ser condenada ao degredo, deixou tudo em Portugal, levando apenas o necessário.
Embora aparentemente a obra deixe claro que Portugal utilizou-se da pena de degredo para “limpar” a sociedade e, apesar de ser esta a opinião de diversos autores, Pieroni explica que eram muitos os crimes apenados com degredo, sendo que, muitos deles hoje sequer seriam considerados crimes. Qualquer desvio do caminho imposto pela Igreja era considerado delito passível de punição. Assim, o autor ensina que a influência da Igreja associada ao poder real eram causadores do grande número de degredados, fazendo cair por terra a tradicional afirmação de que o Brasil foi povoado apenas por criminosos.
No Livro V das Ordenações Filipinas encontrava-se o direito penal e a maioria das penas impostas era severa, como as penas de tortura e de morte. Eram cerca de 90 tipos de crimes. Mais uma vez, observa-se que a nobreza possui certos privilégios, já que não podem ser desonrados publicamente com a pena de açoite. Muitos destes condenados acabavam tendo suas penas substituídas pelo degredo.
Após a instituição dos tribunais do Santo Ofício, houve uma divisão entre os delitos heréticos e os crimes comuns. O “Desembargo do Paço” era responsável pelo julgamento dos crimes seculares. Com a superpopulação das prisões portuguesas, uma solução foi enviar os condenados ao Brasil.
O autor cita histórias de diversos degredados, exemplificando as variáveis situações que podiam ocorrer através da análise de casos concretos. Alguns dos condenados por crimes seculares fugiam das embarcações e procuravam a proteção dos jesuítas que, necessitados de trabalhadores, acabavam por interceder pelo perdão do Rei. O “Livro dos Juízos dos degredados” possuía anotações, com os nomes dos condenados, o local para onde deveriam ir e o tempo de cumprimento de pena. Os crimes são variados, de vadiagem e adultério à homicídio
No capítulo “Inquisição e degredo” o autor explica que o degredo constituía um dos castigos preferidos do Santo Ofício. Embora os juízes seculares e os tribunais religiosos funcionassem separadamente, ambos convergiam suas atividades para o mesmo ponto, sendo uma das condenações mais comuns a permanência em outras terras. Os primeiros degredados do Santo Ofício eram da cidade de Évora, no auto de fé que ocorreu em 1543. A Inquisição utilizou o banimento como forma de “purificar” a população portuguesa, mantendo a ordem religiosa e social, e o degredo era associado à ideia de purgatório. A principal “função” do Santo Ofício em Portugal era fiscalizar os judeus convertidos para que não voltassem a praticar a antiga religião.
Um caso interessante, que mostra o rigor da Santa Inquisição com os judeus, é o de Maria Dias (p. 100), acusada de judaísmo. Condenada à pena capital, conseguiu escapar da morte denunciando seu irmão e sua tia. Além disso, suas irmãs e sua sobrinha estavam também sendo processadas pelo Santo Ofício. A família toda foi alvo da Inquisição.
A partir do século XVII, os ciganos também passaram a ser degredados para o Brasil. Alguns realmente cometeram crimes, mas muitos foram vítimas do processo de “purificação” da sociedade. Também os escravos e alguns forros foram banidos, acusados de heresia, feitiçaria e bigamia.
Por fim, no último capítulo, o autor explica porque nunca foi instalado um tribunal de inquisição no Brasil. Uma das principais razões é o alto custo de manutenção da instituição. Além disso, o capital dos cristãos-novos contribuía muito para a economia da colônia e uma perseguição poderia dispersar estes colonos. Por outro lado, tem-se a elaboração das “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, cuja função era regulamentar o comportamento dos eclesiásticos e leigos que viviam no Brasil. Seguindo o formato das Ordenações Filipinas, a Constituição buscava se adequar a realidade brasileira, o que, com tanta diversidade, não se mostraria uma tarefa fácil.

1.                              BIOGRAFIA DO AUTOR

Geraldo Pieroni possui Graduação em Historia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestrado em História pela Universidade Federal da Bahia e  mestrado e doutorado pela Université Paris-Sorbonn. Pieroni pertence à escola Micro-História ou História das Mentalidades, tendo delimitado como temas de pesquisa a Inquisição no Brasil e em Portugal, especialmente o degredo, e as consequências para a colonização. Uma da orientadoras de Pieroni, Marli Geralda Teixeira, fez um seu trabalho de doutorado sobre a História das Mentalidades dos batistas. 
O autor é especialista na história das inquisições, estudando as relações de poder e as instituições relacionadas à Igreja e Estado. Um de seus objetivos é a compreensão da formação da cultura brasileira através da análise de fatores como a religiosidade e a interação entre a Igreja e a sociedade. 

obs: Trabalho realizado pela aluna Lilian de Souza Pereira (proprietária deste Blog) para o curso de História da Universidade Federal de São Paulo. 

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